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Rio de Janeiro

Descrição do Rio “da Belle Époque” (Ano 30) do livro de Paulo Lins - Desde que o Samba é Samba.

Ele foi na ponta dos pés para não acordar seus companheiros, pegou um lápis e um papel da mesa e sentou-se no sofá. Ele ficou ali por um momento, olhando para o espaço e, extremamente raro na vida de um compositor, escreveu de uma só vez um novo samba. Então ele cochilou. Ele acordou devagar três horas depois, ouvindo o violão e a voz de Souza no jardim. Bacarau ouviu por um momento seu amigo, o mestre que um dia seria seu parceiro. Souza fez uma pausa e Bacarau aproveitou a oportunidade para se levantar e cantar o que havia escrito - mas mal se lembrava da melodia. Souza ouviu por sua vez.
    Deixa essa mulher chorar
    Deixa essa mulher chorar
    Pra pagar o que me fez
    Pra pagar o que me fez
    Zombou de quem soube amar, por querer
    Hoje toca a tua vez de sofrer
    Não te lamentes
    O mundo é mesmo assim
    Chorar, que eu já chorei
    E tu zombaste de mim
    Amei e não venci
    Outro não amou, venceu
    Foi protegido da sorte
    Foi mais feliz do que eu
    Oi, deixa essa mulher chorar
    Deixa essa mulher chorar
    Deixa essa mulher chorar
    Pra pagar o que me fez
    Par pagar o que me fez
    Zombou de quem soube amar, por querer
    Hoje toca a tua vez de sofrer
    Estou bem feliz
    Não me fazes mais sofrer
    Agora sou eu quem diz
    Que não quero mais te ver
    Amar como eu te amei Era para emlouquecer
    Juro que nunca pensei
    Que pudesse te esquecer
    Oi, deixa essa mulher chorar
Cante de novo, eu irei acompanhá-lo.
Bacurau repetiu seu samba várias vezes para que Souza o acompanhasse no violão. A letra harmonizou com a melodia, a música gradualmente tomou forma. Eles terminaram a música.
“Samba bonito! Dedico a Yvone. Ela só pode ser para ela! Resta apenas ajustar a melodia, mas a letra está pronta. Que bonito ! Basta sofrer um pouco para que algo bom saia de um coração ferido, parece! Homens são realmente tolos. "
A aparência de Souza era o que mais importava para Bacurau - o mundo inteiro poderia odiar essa música, se ele gostasse, era a mais importante. Bamako foi certamente o principal inventor do ritmo que o encantou, mas foi esse desgraçado de Souza que Bacarau apreciou acima de tudo - as rimas, os temas que evocou. Eles cantaram seu samba mais duas vezes. Letras e melodia não poderiam ser melhores.
Eles foram ao Apolinaire. Bacurau pediu três cervejas. Souza previu que seu samba seria bem-sucedido com o público se fosse gravado. Emoção apreende Bacurau. Ele havia criado essa música algumas horas antes, sem pensar muito na letra, sem trabalhar demais na melodia, sem pensar demais na harmonia das duas, e Souza gostou. Um simples elogio vale mais do que um quilo de ouro quando se trata de um mestre, um compositor consagrado cujas peças são retomadas por toda a cidade. As músicas de Souza, mesmo que não fossem gravadas, eram tocadas em todas as rodas do samba, em todas as batucadas de bistrôs. De fato, Souza ganhou certa fama desde que Cebolinha assumiu um dos sambas no piano.
Ele foi o melhor compositor da Estácio
- bairro onde ele chegara aos três anos de idade, após a morte de seu pai.
Sua mãe, originária de Jurujuba, havia encontrado um emprego no Rio de Janeiro, sua cidade natal não lhe dava perspectivas. Ela confiou seus quatro idosos a sua família e amigos em Niterói, depois se estabeleceu no Rio com o mais novo, procurou incansavelmente um emprego e veio morar em Estácio, onde seu filho se integrou sem problemas. Dona Emiliena achou que os estudos não tinham utilidade para um homem negro e recusou-se a mandar Souza para a escola. Foi por conta própria que ele estudou aos sete anos de idade. Ele se tornara o primeiro da turma, líder de grupo, tutor de colegas em dificuldade e, finalmente, aluno modelo da escola. Mesmo no catecismo, o difamador era dez em cada dez! Ele compôs sua primeira música aos catorze anos e hoje reinventa a música brasileira, fundando com seu grupo de amigos a primeira escola de samba na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.


Em sua vida, tudo estava ligado graças às suas excepcionais habilidades de raciocínio e à sua grande clarividência. Ele se impôs no meio dos bandidos, mães de santo, filhos, jovens, idosos, autoridades, com a mesma cara, a mesma atitude. Ele nunca falou para não dizer nada, não falou bobagem. Um mestre de vanguarda nos arredores da cidade maravilhosa neste ano de 1928. […]
 Souza sabia o valor do dinheiro, mas o mais importante para ele era ver as pessoas cantando suas músicas nas ruas, ligando o gramofone e ouvindo o melhor cantor do Brasil interpretando sua melodia e seus versos. Tudo explodia quando sua música era tocada no rádio, essa caixa mágica que entrava no cotidiano das pessoas e graças à qual sua poesia era ouvida pelos mais diversos brasileiros, todos imersos nos sentimentos que ele adorava rimar, em tons maiores e menores. . Ele viveu por sua arte e agora falaria com milhares de pessoas, graças ao registro. L'Estácio é conhecido em todo o mundo.
O compositor voltou para casa com dois litros de álcool comprado no bazar na esquina, tirou a roupa, vestiu um terno branco e foi ao Apolinaire, sentindo-se o mais feliz dos homens. Seus amigos ficaram surpresos ao vê-lo tão radiante e sorridente, a milhares de quilômetros da doença.
No bar, Brade entonou o samba que Alvares queria comprar e todos o tocaram em coro. Souza deu alguns passos, se virou, fingiu cair em Brade para tirar o pandeiro das mãos e também acompanhou o coro com o instrumento. Eles cantaram a música inúmeras vezes, entre várias turnês de cerveja. "Vamos lá, me dê algo para cuidar!" Um dos meninos derramou em um copo pequeno. Quando Souza o pegou, Bacurau o pegou. "Você não deveria esperar quarenta dias?" Em vez disso, dê a ele um pouco de água mineral.
"Quarentena, ele está em quarentena ..." cantou um dos músicos.
O sucesso de "Me faz carinhos" gravou um sorriso perpétuo no rosto de Souza, convencido de que esse novo ritmo marcaria para sempre a história da Estácio. Ele ia à casa da tia Armanda e contava a todos os músicos da velha guarda que alegavam ser sambistas, quando na realidade eles tocavam apenas jongos, maxixs, polkas, tangos, escoceses ou todas aquelas coisas chatas que pareciam Procissões católicas.
O samba, o real, teve que carregar o sal das percussões dos terreiros de Candomblé, sério quando se tratava de marcar o tempo, mais agudo quando se tratava de trazer medidas. Tivemos que definir o coro e o verso, colocar o ritmo em movimento - um ritmo diferente do da macumba, usado para derrubar e depois elevar os espíritos dos santos, cumprindo nossos pedidos, carregando o mal na infinidade de ´Aranda e espalhar a paz nos corações das crianças da terra. Essa mania de querer imitar portugueses, franceses e argentinos teve que parar. Tínhamos que encontrar os ritmos que vinham da África, das caixas de negros da época da escravidão, dos quilombos, dos terreiros, do lundu. Um samba que causava febre a todos, que sacudia as pernas, que deliciava quem gostava de andar, cantar, dançar. Um samba para desfilar pela rua […]
O distrito de Mangue estava iluminado pelo sol, a música ressoava de todos os lados. Às vezes, alguns homens choravam de emoção ao ouvir um novo samba de Brade, Bastone ou Souza. Os guitarristas chegaram, acomodados no ritmo do pandeiro, prepararam a entrada do refrão, a saída do verso, deram o tom. A cadência foi marcada por percussão, depois marcada por flautas e cavaquinhos, um diálogo musical permanente. As peças de Barbosa, Santos, João e Frederico ainda estavam no centro das atenções - foram ainda, para dizer a verdade, mais cantadas nos bares e cafés do bairro da prostituta, ocupadas por todos na rua. Foi na casa de tia Armanda que nasceu essa música que agora invadia o bairro, que reunia muita gente em direção à Place Eleven, em direção aos Terreiros da região. Para desenvolver a umbanda dentro dos Terreiros de Candomblé, o povo baiano trouxe os códigos de suas divindades da Bahia de Todos os Santos.
Souza orgulhava-se dos compositores e músicos que já haviam tocado no exterior, gravando músicas que seriam retomadas pelos povos do Brasil e da França. Frederico compôs o creme de melodias, que cobriu toda uma gama de sentimentos - da felicidade mais absoluta à dor mais total. Ele conseguiu tirar tanto proveito das notas, das respirações, do andamento, da escala - esse era o talento dos mestres. As letras evocavam o calor das ruas povoadas por mulheres seminuas, conversadoras más, todas essas populações misturadas. Ele viu com novos olhos todos os momentos da vida. Tudo isso o inspirou a criar versos e melodias o dia todo
Bacurau viveu tudo isso sem realmente entender seu tempo. Ele gostava de compor, mas essa não era sua atividade principal. Com um criador, a composição é uma companhia constante. Não era o caso dele - ele tinha talento, mas pouca vontade. A inveja às vezes o levava, no meio de uma roda, quando sentia alguma dor, quando bebia, quando fumava cannabis, para ocupar sua mente com metáforas que ele esquecia logo que ficava sóbrio se não notasse imediatamente. . Obviamente, quando ouvia um samba de Brade ou Souza, sentia-se muito pequeno, desprovido de talento. Ele não sabia o suficiente sobre os caprichos da vida para compor versos que podiam tocar a alma de um povo inteiro.
De vez em quando, ele gostava de pensar em palavras, pedaços de melodia, mas essa não era sua razão de viver. Ao contrário de seus amigos, não era uma necessidade que fizesse arte sem poder explicá-la. Bacarau também não tinha o dom de ver poesia em tudo ao seu redor. Ele acorrentou as rodas de samba e os distritos: Piedade, Catutumbi, Mangeira, Tijuca, Pilares, Quintino. Ele apropriou-se de sambas de outros artistas - ele pediu ao músico, ar de nada, para repetir sua composição para poder aprendê-la de cor e torná-la sua, sem o menor gene. [...]
Foi uma ilusão, uma bênção dos Orixás? Quão bom Deus era, oferecer-lhe música como meio de subsistência. Souza seria outra pessoa, a partir de hoje. Ele seria respeitado em todos os lugares, como um músico com o melhor cantor do Brasil - o mesmo que buscava seus acordes no violão enquanto Souza declamava seus versos.
A multidão cresceu para assistir a esse show improvisado na porta do bar. Rapidamente, um homem pegou um pandeiro, outro pandeiro, outro com overdose de Brade. Este novo instrumento estava começando a encontrar seu lugar ao lado do violão de Alvares. No começo, o rei se atrapalhou e perdeu o ritmo. A platéia o ajudou, cantando suavemente as músicas para não sufocar os acordes. Pessoas que nunca pisaram em um bar - donas de casa, fanáticos da Igreja do Espírito Santo, crianças - vieram ouvir Souza cantar para Alvares. Quando o último samba terminou, os dois homens queriam falar sobre sua parceria, mas ficaram envergonhados com a multidão ouvindo.
"Vamos entrar no carro, ficaremos mais à vontade conversando", diz Alvares. Então, uma vez no veículo: “Suas composições são divinas. Seus acompanhamentos são fabulosos, o ritmo é novo, diferente. O que é esse instrumento?
- Do que você está falando? Há o Surdo e o pandeiro. O pandeiro, é o pequeno, que dá esse alívio, e os surdos, é o que faz o mercado e dá o ritmo.
- Entendo. É muito linda! E desde quando você está compondo?
- Eu tinha quatorze anos quando escrevi meu primeiro samba, era "Já desisti". A partir daí, eu nunca parei ...
- E você inventa a letra ao mesmo tempo que a música?
  - Sim e não. Às vezes a melodia vem primeiro, às vezes são os versos. Eu não tenho regras E você ?
- Às vezes componho a melodia primeiro
- Eu gosto de pensar em música primeiro e depois em palavras. Outras vezes, não tento colocar palavras imediatamente, deixo de lado para trabalhar mais tarde ou dou a um colega para que ele possa me encontrar coisas bonitas para dizer ...
- Não posso guardar um pedaço para mais tarde. Se não o fizer imediatamente, se faltar algumas palavras ou algumas medidas, ligo imediatamente para um colega.
- Bem! vamos fazer o que eu disse anteriormente: você só pode vender seus sambas para mim, ok? Para que seu estilo seja apenas meu, entende? Eu devo ter uma marca registrada, uma linha melódica que seja reconhecível. E assim, você vai escrever para mim apenas para mim ...
- Até quando ?
- Veremos. Vamos criar juntos e vamos ver ...
- Ouviu.
- Todos vocês que inventaram esse ritmo?
- Eu inventei e meus colegas desenvolveram comigo ...
- Que ótimos ritmos! Nem Lundu, nem maxix, nem salsa…
- Este é o verdadeiro samba. Escute isso.
Souza, marcando o ritmo com a mão, imitou o som do Surdo com a boca.
"Bum-bum-bum-bum-bum-bum-bum-bum-bum", A abafado, acentuado.
- Entendo. E sempre há um refrão, não é?
- Não, você pode ir diretamente do primeiro ao segundo verso. Se você quiser, pode até adicionar um terceiro. É tudo sobre cadência.
- Eu, eu prefiro os refrões, para que o público conheça rapidamente a música de cor, pelo menos em parte ...
- É a música que permite tudo, entendeu? É macumba? Sim. Samba é o que quer ser, você me entende?
- É candomblé?
- Claro, e se eu te disser que é raposa, quem pode me contradizer? Nosso samba é tudo o que já ouvimos. O samba é o teatro da vida.
- Você está certo ! Como você sabe tudo isso?
Você estudou música?
- Não, está tudo lá, disse Souza, apontando para a cabeça.
- Você me impressiona, todos vocês. Conheço pessoas que estudaram, que trabalham muito ... Mas elas não se aproximam de você.
- Você acha que estamos mexendo nossos polegares, certo?
- Com licença, não quis desrespeitar você, apenas digo que existem pessoas que tentam, que trabalham muito e que não conseguem ...
- Mas não ! você não quis dizer isso. Você queria dizer o que eu entendi.
- Com licença
- Estou pensando nesse ritmo há anos, com o Bloco.
- O que você quer dizer?
- É que estamos montando um bloco, mas como você deseja motivar uma procissão cantando maxixes? Você imagina um quarteirão de carnaval na rua que desfilava enquanto cantava o samba "Pelo telefone", "O chefe da polícia pelo telefone manda me avisar ..." e caminhava assim? exclamou Souza, imitando o movimento do maxix. Impossível cantar, dançar, desfilar assim, entende? É muito macio ... Parece uma procissão! Veja a diferença: "Mulher, você não me faz carinhos…"

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E Alvares entonou com ele:
  Teu prazer é de me ver abandonado
Ora, vai mulher, és obrigado a viver comigo
Se eu fosse homem branco
Ou por outra mulatinho
Talvaez eu tivesse sorte
De gozar os teus carinhos
A maté que encre vaza
Deixa a praia descoberta
Vai-se um amor e vem outro
Nunca vi coisa tão certa
Mulher, tu não me faz carinhos…
Oh! Meu bem, o teu orgulho
Algum dia há de acabar
Tudo com o tempo passa
A sorte é Deus quem dá
Vou-me embora, vou-me embora
Como já disse que vou
Eu aqui não sou querido
Mas em minha terra eu sou…   
[…]
Valdina gostou do balanço do trem quando foi trabalhar e voltou à noite. Ela adorava as rodas de samba. Pilares abrigava vários terroirs de candirblé. Como a polícia não interrompeu mais as sessões religiosas de origem africana, as rodas de samba aconteciam lá. A polícia não sabia exatamente o que eram Samba, Candomblé, Jongo, Maxix - eles realmente não entendiam nada. Eles odiavam ver todos aqueles negros reunidos cantando, cantando ou orando juntos. Eles odiavam a cor da pele, o modo de ser e de viver desses descendentes de escravos.
Lopez foi preso na rue du Marquis de Sapucai por ter um pandeiro. Os músicos Maxix foram espancados pela polícia por causa de seus instrumentos. Bastava ser preto e ter um violão ou um pandeiro para parecer suspeito. Um sábado, João vestiu um terno branco para afastar o sol escaldante do início de outubro. Ele foi, como todos os anos na mesma época, para a festa da Penha, acompanhado por seus amigos. Ele escondeu seu pandeiro em papel kraft para passar sem impedimentos na frente dos agentes até as escadas da Igreja de Nossa Senhora da Penha, onde se realizava a maior festa do mundo.
Um número impressionante de devotos encheu os trens, as estradas, os carros, até a Igreja da Penha; toda essa energia era linda de ver e sentir. Foi a festa do povo baiano da velha geração instalada na cidade maravilhosa, a festa dos cariocas do centro da cidade, zona norte, distrito de Leopoldina. Tia Armanda, como todas as mulheres baianas, preparou bandejas de confeitaria e vendeu roupas para homens, mulheres e crianças em tendas. Em toda a subida que levava à igreja localizada no topo do morro, e cuja torre sineira podia ser vista à distância, havia inúmeras rodas de capoeira e rodas de música. Os peregrinos conversaram rapidamente com os avós e os velhos pretos - alguns espíritos desceram apenas alguns minutos, outros ficaram por horas. O espírito de Doum da Praia fez os quatrocentos golpes. As Mães de Saint estavam tentando adiar a era, mas nada a fazer, ele não queria voltar. Ele correu com as crianças nas escadas, encheu-se de desertos, brincou com um carrinho de mão, jogou água nos transeuntes, falou alto e irritou a todos. Doum subiu ao topo do morro e contemplou o panorama - essa visão de Teresópolis a Corcovado trouxe lágrimas aos olhos. Mas para alguém de fora, era difícil adivinhar em quais pessoas os espíritos estavam encarnados. Doum passou o dia inteiro na terra com outros Pretos Velhos, caboclos, exus e pombagiras encarnados, que se expressavam normalmente. Com o candomblé, os orixás dançavam, rezavam e mudavam a alma dos peregrinos. Alguns Mères-de-saint estavam puxando conchas. Tudo era mágico, nas escadas da Penha. Famílias distantes se encontraram lá, pessoas que não se viam frequentemente se rezavam para orar, cantar, dançar, brincar, comer e reformar suas mentes. A celebração começou cedo, os fiéis subiram os trezentos e sessenta e cinco degraus de joelhos para agradecer ao santo por ter concedido seu pedido de graça ou milagre.
 Frederico, Santos, Barbosa, João, Carlinhos e outros músicos chegaram com tia Armanda, sua família, seus filhos de santo, seus amigos e admiradores que a esperavam em sua porta para acompanhá-la à festa da Penha. Havia tantas pessoas que a barraca e a bandeja de doces foram rapidamente transportadas. A procissão estava cantando e dançando na euforia dos feriados religiosos, quando de repente a polícia chegou. Era proibido tocar macumba para a festa de Nossa Senhora da Penha. Macumbeiros são macumbeiros. Católicos, católicos. Os sambistas, sambistas. Cada um tem seu lugar.

"Mas não é macumba!"
- Então esse é o candomblé?
- Não, não é candomblé. É o maxix!
- Uma máxima? O que é isso ?
- Ouço. "
E eles tocaram o maxix.
"Não, você não pode tocar isso. Parece samba. Esse tipo de música é proibido pelo comissário. Samba é a música do diabo e é proibido. É música para fazer magia negra. Magia negra? E a bunda da minha esposa , você viu isso?
- Desculpa ?
-Não, nada eu não disse nada.
- Então, vamos tocar um lundu para ver se funciona - disse Frederico rindo, instrumento na mão.
- Não, você está puxando muito a corda. As mulheres vão transformá-lo em umbanda, o tolo notará algo ", disse João.
Eles ainda acabaram tocando na segunda-feira; um grupo de jovens parou, conquistado pela música. Eles começaram a dançar, uma multidão se formou, o policial ficou nervoso diante dessa multidão que se movia nesse ritmo acelerado.
"Pare com isso!" Você está mexendo demais, é música africana! Eu não quero bateria. E minha paciência está começando a acabar: em breve banirei tudo!
- Só queremos rezar a Nossa Senhora da Penha ... Agradeça pelos benefícios dela ... Aqui, esse pobre coitado, disse João subindo Santos. Ontem mesmo, ele não viu nada. E esta manhã, ele acordou tendo recuperado a visão! Ele prometeu que viria conosco para agradecer ao santo. Que este homem mantenha sua promessa em paz. Eu nunca vi um cristão tão piedoso, tão ansioso para agradecer a Deus por ter concedido seu desejo ...
- Um verdadeiro agradecimento seria subir as escadas de joelhos! Agradecer por dançar e cantar, para mim, não conta!
- O que você quer dizer ? O padre não reza ao santo enquanto canta, talvez? Então por que não nós? Em todas as igrejas, cantamos na missa. Não existe um santo na terra que não goste de música. Mesmo de joelhos, você tem que cantar. Agradeça ao santo. Meu amigo tem que cumprir sua promessa.
- Vamos, deixe-me tocar polca, é um ritmo que o santo adora e o padre também, não é? Disse Frederico.
Eles atacaram a polca com instrumentos de sopro. O policial ouviu, apertando os olhos, imaginando se essa música também era proibida pelo chefe de polícia.
"Este é bom! Ele chamou depois de um momento.
- E este também, certo? perguntou Frederico, começando um escocês.
- Aqui está ! exclamou o policial. É isso que Deus ama, o que ama Nossa Senhora da Penha e também o comissário. Mas eu tinha ouvido outra música ... com esses instrumentos, ele disse, mostrando os instrumentos de sopro.
- Então é isso, ouça! "
Frederico atacou um trotador de raposas e o policial começou a sorrir, visivelmente satisfeito.
"Bem, é isso que vamos jogar!
- Desde que você não toque o que eu te proibi ...
- Mas temo que a santa não entenda e que ela o castigue ...
-  Porque isso ?
- Porque você nos impede de agradecer! Você é apenas um ignorante, cheio de preconceito, e você o ignora.
- Ignorar? O que isso significa ?
- Que sua voz é forte, mas não tem influência, você pode nos silenciar, nos interromper, mas você não pode nos destruir.
é o bastante ! você sabe o que tem permissão para jogar e o que é proibido. Está tudo em ordem, siga em frente!
- No entanto, na Bahia, eles rezam para seus santos assim ouçam ... "
E Frederico começou um maxix, seguido pelos outros músicos, incluindo João com seu pandeiro.
"Para para! "
Mas ninguém parou. A galera começou a dançar. O policial não queria bater em ninguém. Ele correu para um banco e subiu nele.
"Pare imediatamente, caso contrário terei que confiscar os instrumentos. No entanto, eu lhe disse que o samba, a umbanda e o candomblé eram proibidos!
- É o maxix! Fomos convidados para São Paulo e Europa. E lá, existem maxix records ... vamos tocar em paz!
- Se o comissário não proibiu o maxix, é porque ele teve que esquecer.
- Mas cantamos para nossa santa, só queremos cantar para ela!
- Então vamos tocar uma valsa! disse outro. Ou o comissário também proibiu as valsas?
- Não ... pela valsa, ele não disse nada, admitiu o policial.
 Até agora não disse nada, interrompi outro agente, mas quero esclarecer que o comissário proibiu qualquer forma de música.
- Planejamos brincar de Ave Maria quando o padre desce as escadas. Podemos ? um dos músicos perguntou.
- Acho que sim ... Eles podem, não é? o primeiro policial perguntou hesitante ao seu colega.
"Eles podem, mas esse instrumento é inútil para a Ave Maria", respondeu o outro.
- Mas a versão que repetimos com o padre inclui um pandeiro, senhor! expressou João. É a nossa ação de graças. Por favor, pelo amor de Deus! Se o padre concorda, a polícia não pode nos proibir ...
- É o bastante ! Este instrumento é proibido aqui, as guitarras também. Mesmo hoje, poderíamos abrir uma exceção, porque é a festa de Nossa Senhora da Penha ... Mas seus instrumentos negros não são tolerados aqui, está claro? Me dê, seu instrumento do infortúnio, confisco-o em nome da moral e da boa moral! A polícia se aproximou para pegar o pandeiro.
"Deixe ele comigo!" Eu não toco mais! defendeu João.
- Eu te conheço, vai coçar e você vai acabar brincando com essa sujeira.

 

Aquele abraço - Gilberto Gil

Rio Vermelho CP 2102 41950-970 Salvador – Bahia – Brasil +55 (71) 9993 42484 horta.fatumbi.fabi@gmail.com

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