Festa de Iansã, Oyá - 85 anos de aniversário de nosso Pai Obarayí (PARTE A) -

« XANGÔ QUIS ASSIM » Balbino Daniel de Paula – Ô Livro : OBARAYÍ, Salvador, BARABÔ, 2009, PP679

85-OBARAYI---23-
85-anos-OBARAYI---8
85-anos-OBARAYI---17
85-anos-OBARAYI---8
-85-anos-OBARAYI---16

« Para a festa de Xangô, o dono da casa, escolheram 14 de Julho, data importante na França, quando o povo invadiu a prisão de Bastilha. Esse dia é um símbolo da Revolução Francesa, que influenciou o mundo inteiro com a sua defesa de « liberdade, igualidade e fraternidade ». Nas dunas de Lauro de Freitas, ocupadas pela familia Daniel de Paula, também estava na hora de começar uma revolução. Xangô, Oxalá, Ogum, e Iansã foram os primeiros a serem chamados. Depois de os caminhos serem abertos por Exu e de saudar Oxóssi, é claro. Muita gente estava por perto, precisando cuidar dos seus Orixás, se fortalecer com o Axé do fogo, do ferro, da água, dos ventos. Em Santo Amaro de Ipitanga, nos primeiros meses de 1972, o que mais se ouvia era o som dos chaorôs, os guizos presos nos tornozelos dos Iaôs. Em janeiro, o rum, o rumpi, e o lé tocaram pela primeira vez. Um alujá acelerado chamava o Xangô de Bira, Xangô Ogodô, como o de Pedro.

No fim do mês, com a mesma força, se ouviu o igbim e o yassi lento. A areia de Lauro de Freitas ficou ainda mais branca para homenagear o jovem Oxaguiã de Ajá Deí. Muitas folhas de dendezeiros desfiadas, o mariô, penduradas nas portas e janelas, para acalmar o Ogum dez Eduardo. Mirinho de Oxalá e Nininha estavam no terceiro barco. Ela ainda era uma criança, mesmo assim encontrou forças para receber em seu corpo o dono do Pilão, Oxaguiã. Para Zezinho e CiCi, pedras do fundo de um rio, contas de cor amarela e o som contagiante di Ijexá, preferido de Oxum (*A). Quando o terreiro se vestiu de vermelho, para Iansã, o que se ouviu foi adoró, o mais sensual de todos os ritmos.

Depois os Orixás iam embora, os Erês assumiam os corpos dos filhos-de-Santos e corriam para se banhar na maior das lagoas. Desde essa época, uma pessoa fundamental para Balbino era Aílton, o vizinho do Uruguai. Mesmo sem ser iniciado, ele já sabia pegar as folhas no mato, costurar as roupas, aprendia rapido. Mãe Sofia e a prima Clarice Oxum Toki também ajudavam muito ».(*1)

(*A) – Apesar de ter sido iniciado para Oxum, dona CiCi tem como Orixá de cabeça Oxalufã : « Alguns meses depois da iniciação, Oxalá tomou conta da minha cabeça, onde continua até hoje », explica ela.

« Também saíam para passear, iam ás festas de caboclo do Dois de Julho, jantavam fora no Restaurante Oxalá, de comida Baiana, iam ao cinema Odeon, na Cinelândia. Para Balbino, eram os primeiros contatos com outros costumes, estava se sofisticando.

Num dia de sábado, os dois estavam em casa, brincando, Balbino jogava búzios para Paiva, que lia a sorte para ele nas cartas ciganas de Madame Lenorman, uma cartomente de Paris. Então Paiva lhe avisou :

  • Tio, você vai ter uma surpresa, vai fazer uma longa viagem, que vai te dar fama, vais ser bem-sucedido.

Balbino riu a valer :

  • Você com sua suas cartas malucas…
  • Não estou brincando, é verdade – garantiu Paiva e depois esqueceram o assumto.

 Na segunda-feira, por volta de 10h, alguém toca na porta. Estavam só Balbino e a Mãe de Paiva, pois o amigo tinha ido para a ilha do Governador. Era o carteiro, trazendo uma carta da França. Nela Pierre Verger convidava Balbino para ser o artista principal de um filme chamado – Brasileiros da África e africanos do Brasil – Se ele aceitasse, uma equipe da televisão francesa ORTF viajaria imediatamente para Salvador. O pagamento não era grande coisa, mas a experiência…Balbino nem acreditava. Ligou para o amigo :

  • Paiva, tá fazendo o quê ? venha aqui correndo pra você ver uma coisa.

 Depois falaram com Verger pelo telefone, preencheram o contrato que veio junto e Balbino voltou para a Bahia. Verger escreveu o roteiro e uma mulher dirigia : Yannick Bellon, Regina, George, Pierre e Jean Claude completavam a equipe. O filme pretendia mostrar a influência da África no Brasil, usando a história de um brasileiro descendente de africanos. Como Balbino nasceu e cresceu no meio de costumes africanos, servia bem para o papel.

(…) Foi uma experiência boa, porque eu me distraía. Fazia papel de bobo, subia e descia ladeira. Eles escolhiam o lugar e eu tinha que fazer aquelas coisas .

As filmagens eram na rua. Balbino misturado com o povo, durante o dia, à noite, na Igreja do Bomfim, na festa da Ribeira. Participa de um terno de Reis, olha uma roda de Capoeira, vai ao terreiro da Casa Branca, conversa com Mãe Dodô, vai ao Afonjá. Um dia, foram cedo para o Curuzu. Filmaram ele conversando com Maria e os subrinhos, na hora do café. Magrinha, vestida com a farda da escola, Célia era a mais animada. De lá, ele desceu para vender bugigangas com um tabuleiro pendurado, como fazia no tempo em que a feira pegou fogo. Conseguiram até imagens de Mãe Menininha do Gantois conversando com Jorge Amado sobre o início do Candomblé na Bahia.

As cenas em Lauro de Freitas foram um desafio. Estavam em pleno Verão, em 1973, numa real com sol forte, vento quente, pouca água e sem recursos técnicos. Mesmo assim a equipe de Yannick conseguiu improvisar um set. Alugaram um generador na Base Aérea, ocuparam o terreno em frente ao terreiro e colocaram os refletores. CiCi lembra dos rapazes e moças com a pele queimada, a boca seca, trabalhando sem ter sombra para se proteger. Um deles, George, arriscava algumas palavras em português e disse a ela que estava acostumado com o calor e os rituais, pois tinha nascido no Haïti.

Fizeram muitas tomadas das dunas. Aparece aquela imensidão de areia com o mar ao fundo, de vez em quando uma lagoa e o rio Sapato. Nesse tempo, as filhas-de-Santo andavam até o rio para fazer as obrigações e voltavam viradas no Santo. De repente, no meio do areal, surge a imagem das cazinhas de palha e barro. Verger estava sempre junto. Sem ele, Balbino não teria confiado e deixado filmarem a saída das Iaôs e a roda dos Orixás. No grupo das Iaôs estava Aílton, fazendo iniciação para Oxóssi. Daí em diante, só chamavam ele pelo nome de Santo : Odé Faromi.

(…)

Acertaram com Machoudi para levar Balbino ao templo de Xangô. A viagem seria de carro, para uma cidade no interior chamada Saketê. Lá, todo o mundo se considerava descendente do Deus do trovão.

  • O que é que eu vou dizer pra esse povo ? eles não vão entender nada !
  • Isso é com você e Xangô – disse o amigo e se retirou

 Balbino começou a cumprimentar. Se deitou no chão várias vezes, bateu paó para todos na frente do peji. Os sacerdotes de Xangô só faziam olhar para ele. Nisso, teve uma inspiração e começou a cantar. Não se ouvia barulho, só a voz de Balbino, bem alta. Era uma cantiga bonita, em Iorubá, tinha aprendida na ilha.

  • O kuu lailai / Oku akjo e / Oku lailai. ( « Faz tanto tempo que não te vejo »)

Cantou uma vez. A voz tremeu um pouco, por causa da emoção. Cantou de novo. Em volta, ninguém se meixia. Foi então que, na quarta vez, quando Balbino recomeçou, todos responderam : sacudiram o xere de Xangô e cantaram junto. Eles conheciam a cantiga, era uma cantiga saudação, falando de saudade, de alguém que volta de longe.

Explicaram que ele tinha sido « bem recebido de volta a sua terra » e partiram muitos orobô.

Dali em diante, já estava em casa. Resolveram fazer uma iniciação. Balbino ficou um pouco assustado, mas obedecia, afinal estava na terra de Xangô, seu pai, nenhum mal podia lhe acontecer. Ficou recolhido com mais 17 pessoas, viu plantas sagradas, sempre vestido com um bubu. Ninguém falava a sua lingua, nem Balbino a deles. Para lhe mostrar qualquer coisa, levavam pela mão. Fizeram sacrifícios um quelê em seu pescoço, só não rasparam a cabeça.

Era tempo de festa para Xangô. Foram três dias inteiros, durante a noite e o dia, embaixo de um arvoredo. No tereceiro dia, no encerramento, foi bonito. Uma multidão se espremendo para participar. Finalmente Xangô incorporou num dos seus filhos, gritou forte, imitando um pássaro. Para Balbino, já estava tudo perfeito. Descalço, no meio de centenas de filhos e filhas de Xangô, dançava em homenagem au seu Orixá, como se tivesse vivido ali por toda a vida. Já não esperava mais nenhuma surpresa, quando lhe disseram que ele receberia um cargo, um novo nome. Sempre que lembrassem dele falariam : Gbobagunlé Aladê, botaram um rei sobre a Terra, dono da coroa ».(*2)

-85-anos-OBARAYI---128
-85-anos-OBARAYI---55
-85-anos-OBARAYI--136
85-anos-OBARAYI---69
85-anos-OBARAYI---68
85-anos-OBARAYI---61
85-anos-OBARAYI---66
-85-anos-OBARAYI--198
85-anos-OBARAYI---50
85-anos-OBARAYI---42

« A mais Guerreira dos Orixás femininos também tem seu dia reservado no terreiro. A alvrada de fogos desperta a todos. Não só quem está no Axé. Ao ouvir o barulho, os vizinhos da rua Saketê também são avisados : é dia de festa no Aganju. Quem mora perto do terreiro já calcula, se é quarta-feira é dia de ver Iansã. Os atabaques tocam o adoró, ritmo característico no culto de Oyá, e demarcam o início das comemorações. Qualquer vento forte que balance os coqueiros e espalhe as folhas secas no chão é motivo de gritar «  eparrei, Oyá ô » !

A festa para Oyá tem um sentido especial. Quando se louva a dona dos ventos e tempestades, lembra-se também ser ela a condutora das almas, Mãe de todos os Eguns. Por este motivo o Aganju recebe neste dia alguns visitantes ilustres vindos dos terreiros de Egunguns em Itaparica. São os Ojés, homens iniciados em uma sociedade secreta responsáveis por invocar os ancestrais. São os Ojés, homens inicados em uma sociedade secreta responsáveis por invocar os ancestrais. Todos os anos eles preparam uma linda homenagem, demonstrando a grande devoção que têm a ela. A casa rosa do lado do barracão será limpa e toda ornamentada. Por volta das 18h as mulheres de Iansã entregarão os Axés e se fará a reza de tanansilê. Depois disso, cada uma rapidamente vai se arrumar.

No barracão, a Iatebexê inicia o Xirê . Logo Oyá vem e solta seu ilá imponente. As Equedes se movimentam os ojás em suas cabeças formando um laço atrás. Junto com ela, chegam também Ogum, o seu amigo Oxóssi e seu amado Xangô. Depois de trocadas suas vestes, Oyá volta com sua espada em punho, os seus oguês e o eruquerê, ferramenta confeccionada com rabo de boi ou cavalo usada para espantar os espíritos das matas, presente do seu amigo caçador. Ela também gosta de argolas e pulseiras. Entre as mais antigas estão a Iansã de Mãe Bidu, Helena e Ivone. Algumas se diferem das outras. Umas usam apenas o branco, as Igbalês,

Ligadas ao culto dos mortos, outras carregam nas mãos uma ferramenta com três velas acessas, Oyá Padá. Cada uma com a sua função, o seu fundamento ».(*3)

« Só se torna filho de Orixá aqui no Aganju, quando Xangô confirma a necessidade, e é preciso Fé, amor e confiança na entidade para a entrega ser plena. Com isso, nossa religião é renovada e fortalecida, e o Iaô ganha uma nova vida, uma nova visão de um mundo que ele não conhecia ».(*4) Balbino Daniel de Paula - Ô Livro : OBARAYÍ, Salvador, BARABÔ, 2009

-85-anos-OBARAYI-184
-85-anos-OBARAYI--270
-85-anos-OBARAYI--271
-85-anos-OBARAYI---205
-85-anos-OBARAYI--208
DSC06872
85-anos-OBARAYI--260
-85-anos-OBARAYI--246
-85-anos-OBARAYI--257
-85-anos-OBARAYI--256

-85-anos-OBARAYI--167
-85-anos-OBARAYI--221-
85-anos-OBARAYI---220

PARABENS !!! FELIZ ANIVERSÁRIO - Para seus 85 anos, desejamos para nosso Pai maior OBARAYÍ, muita Saúde e Paz . 

85-anos-OBRARAYI---89
-85-anos-OBARAYI--280
-85-anos-OBARAYI--242
-85-anos-OBARAYI--245
-85-anos-OBARAYI--282
-85-anos-OBARAYI--232
-85-anos-OBARAYI--293
-85-anos-OBARAYI--339

« Com a ajuda de Xangô e de Sultão das mattas, transformamos um punhado de areia em uma grande casa de Axé » Balbino Daniel de Paula, sobre a construção do Terreiro Ilê Axé Opô Aganju – Ô Livro : OBARAYÍ, Salvador, BARABÔ, 2009, PP679

« CHEIRO DE AXÉ / Nininha era pequena, mas lembra desse começo :

  • Aqui tinha um monte de lagoa. Umas com a água amarela, umas que a água era clarinha. A gente apanhava água pra beber, pra lavar. Não tinha transporte, tinha pegar lá em cima, onde hoje é a matriz de Lauro de Freitas. Já instalados, eles retormaram a vida. Rosa voltou a trabalhar em São Joaquim. Às vezes ia para Salvador na seixta e só voltava no domingo, Nininha e Jorginho ficavam com a avó e Balbino. Ajudavam em tudo : conseguir lenha para cozinhar, limpar a roça, cavar as cacimbas e pegar aquela água escura. Para beber, só água pura. Pagavam numa fonte onde hoje é a OAS. Depois começarem a ir para a escola. Apesar do medo de dona Ana, nem uma muriçoca bulia com eles. Apareciam muitas cobras, mas nunca picaram ninguém. (*5)

-85-anos-OBARAYI--268
-85-anos-OBARAYI--274
-85-anos-OBARAYI---300
-85-anos-OBARAYI--314
-85-anos-OBARAYI--263
-85-anos-OBARAYI--316
-85-anos-OBARAYI--313
-85-anos-OBARAYI--310
-85-anos-OBARAYI--307
-85-anos-OBARAYI--303

©Ilê Axé Opô Aganju - Horta Fatumbi Comunidade - @Ogan Fabien

BIBLIOGRAFIA

Balbino Daniel de Paula – Ô Livro : OBARAYÍ, Salvador, BARABÔ, 2009, PP679

(*1) –  Balbino Daniel de Paula, idem, PP157 "OBARAYÍ"

(*2) -  Balbino Daniel de Paula, idem, PP161-PP171 "OBARAYÍ"

(*3) -  Balbino Daniel de Paula, idem, PP447 "OBARAYÍ"

(*4) -  Balbino Daniel de Paula, idem, PP278 "OBARAYÍ"

(*5) -  Balbino Daniel de Paula, idem, PP149 "OBARAYÍ"

« E agora, fundindo-se com a minha comunidade religiosa de pertença, desenraizada da África, tenho a impressão de ter, em comum, a profunda cicatriz do desenraizamento. O modelo de Pierre Verger insidiosamente preenche o vazio que foi esvaziado pela ausência da minha família de sangue brasileiro, ele nunca conseguiu tomar o lugar que deveria na minha vida. Pierre FATUMBI Verger é, de certo modo, um pai simbólico, que serve de elo para me permitir colocar-me na "roça" a que pertenço. Retorna uma certa legitimidade ao lugar que eu ocupo na árvore genealógica, nesta família espiritual, com meu Babalorixá.

E com esse pai simbólico, apesar da distância geográfica, tentei manter os laços que tecera, na esperança de voltar. Hoje concretizo este apego com toda a força da minha nova instalação no Brasil, Salvador de Bahía, que representa o mito da terra prometida, a de um pai, uma terra personificada e materializada por um espaço, tanto físico como simbólico, com o meu Babalorixá Obarayi. e Ilê Axé Opô  Aganju. É o catalisador e o meio para desenvolver a verdadeira "cura" da minha identidade (como se a cultura de um indivíduo também tivesse que passar por curando!) Me dando as ferramentas para cultivar meu Orixá ».(*6)

(*6) - Artigo epistemológico do livro de Fabien L., : « La Légende de l’homme aux souliers d’argent », Connaissances & Savoirs, 2021, PP274

 AVISO : Por mais informações sobre o acervo fotográfico utilizado neste registro / entrar em contato com Marcinha Regina de Paula (Cette adresse e-mail est protégée contre les robots spammeurs. Vous devez activer le JavaScript pour la visualiser.

 

Rio Vermelho CP 2102 41950-970 Salvador – Bahia – Brasil +55 (71) 9993 42484 horta.fatumbi.fabi@gmail.com

Ce site utilise des cookies pour son fonctionnement et la mesure d'audience.