UM EXEMPLO DE «AMOR A PATRIA».

UM FRANCO-BRASILEIRO EM SALVADOR, NO BAIRRO ENGENHO VELHO DE BROTAS. VILA AMERICA
Fundação Pierre Verger, Engenho Velho de Brotas. (RETRATO DO MÊS 6 septembre 2010)

“ 2007, eu pensava na morte...O Candomblé me ajuda ainda hoje, dando-me instrumentos para o meu sucesso nesta volta ao Brasil. Sinto que ganha espaço de vida, que me permite uma qualidade de vida por que nesta sociedade urbana ocidental, se você não trabalho , você não é ninguém...

VoVó CiCi : Fabien LIQUORI, você é um Franco- Brasileiro que vive em Salvador, na Bahia, tentando se readaptar a uma nova vida após a ocorrência de graves perturbações psiquicas invalidantes ?

Sim, meu nome é Fabien, sou um Franco-Brasileiro, isto é, tenho uma mãe de origem Francesa e um pai Brasileiro, carioca, atualmente estabelecido em São Paulo. No meu caso, eu, Fabien, nasci no Brasil, em São Paulo e morei com meus pais no Rio-de-Janeiro até a idade de seis anos. E foi a partir daí que os acontecimentos foram mudando o meu destino. Meus pais se separaram, minha mãe decidiu retornar a França com seus filhos-minha irmã e eu. Para aqueles que acham que a culpa foi de minha mãe, considerando-a o elemento pertubador da historia, eu respondo que é muito fácil pensar assim!
Mas isso não passa de aparência, sobretudo para aqueles que não viveram interiormente tal experiência. Seguramente, seria exagero atribuir um papel importante a meu pai, afirmando «que lhe tiraram seus filhos». Ele finalmente arcou com as consequências de suas escolhas e nada mais!
Era legítimo para minha mãe (embora difícil segundo o contexto da época) querer se reaproximar de seus pais, retornando a França.Com efeito, estando definitivamente separada de meu pai, como poderia ela continuar a viver no Brasil sozinha, com seus dois filhos pequenos e sem nenhuma estabilidade profissional, tendo como emprego o cargo de professora em meio período, devendo muito a minha familia brasileira?
Ainda hoje, eu agradeço a minha mãe por ter feito a escolha certa para nós e para a nossa formação intelectual. Em meus trinta e sete anos de vida, vivi vinte e sete anos na França, duas vezes dez mais na França, com um hiato de um ano em são Paulo em companhia de meu pai. Trabalhei em diversos empregos, dos mais ingratos, na hotelaria e em restaurantes, depois na indústria, com sua infernal linha de montagem.

Vovó CiCi : Fabien, você é uma espécie de Jean-Charles, como o personagem do filme do mesmo nome ?

Sim, eu diria até mais. Faço parte de milhares de brasileiros que escoleram o exílio como caminho de vida, que escolheram o sonho da vida na Europa (e nos países do hemisféro norte, sobretudo). Mas, se Jean-Charles não teve a sorte de posseguir com o seu sonho, hoje fazendo parte da estatística das vitimas inocentes da luta antiterrorista na Europa, e se eu tive a sorte de poder voltar ao Brasil, quantos não tombaram nesse duro caminho? Entretanto, eu poderia dizer que sou a continuidade do percurso de Jean-Charles. Em dado momento de minha vida eu poderia ter definitivamente esquecido o Brasil e me ter integrado na massa uniforme dos que escolheram a migração. Entretanto, poderosos forças inconscientes me conduziram a um outro destino. Decidi voltar para viver em «meu»país. Ficar na França, com graves pertubações psíquicos que me tornaram inválido para o trabalho, seria apressar a morte. Os útimos anos passados na Fança foram terríveis. Quase morri em 2007!

VoVó CiCi : Fabien,mas por que tanto empenho em querer voltar ?

Quero dizer que escolhi minha pátria, eu mesmo escolhi a nação na qual quero viver. Não foi minha familia brasileira, sem escrúpulos, que escolheu por mim. Aqui na Bahia, em Salvador, encontrei pessoas extraordinárias, que me «alimentaram»tanto intelectual quanto espiritualmente. Sou eternamente grato a elas por sua enorme generosidade. Elas me ajudaram e me ajudam em meu retorno definitivo, o que não ocorreu com minha família brasileira ( nenhum deles me estendeu a mão).
Graças a coragem de minha mãe espiritual, minha IYA-KÊKÊRÊ, e a determinação de minha mãe biológica, eu comecei definitivamente o caminho de volta em 2001. Foi nesse mesmo ano que foi diagnosticada minha doença psiquica.
Aos primeiros sinais de depressão, (mais exactamente: Estados de delirio transitorio), eu quis dar um sentido maior a minha vida. Os medicamentos e as sessões de psicoterapia tratavam a crise afastando os sintomas imediatos, mas não explicavam o seu sentido profundo. Isto se deu pela retomada de meus estudos universitários e, depois, por uma busca não satisfeita de transcendência da parte obscura de meu interior. As religiões afro-brasileiras e, notadamente, seus Orixas, uma vez que me ensinaram com humildade a aceitar o que eu sou no meu interior mais profundo. Muito diferente do catolicismo que me rejeitava tentando mostrar-me o exemplo do que «eu deveria ser».
O Candomblé, minha religião afro-brasileira me ajuda ainda hoje, dando-me instrumentos para o meu sucesso nesta volta e integração ao Brasil. Sou atualmente voluntário numa fundação que intenta promover a cultura afro-brasileira. Isto permite que eu me sinta ainda útil, pois compartilho dos principios e valores de Pierre Verger, seu fundador. Sinto que ganho espaço de vida, de sociabilidade o que me permite uma qualidade de vida que eu havia perdido na França. É sabido que nesta sociedade urbana ocidental, se você não trabalha (é inválido), você não é ninguém...Você não existe mais! Pude constatar isso com o comportamento dos meus amigos mais próximos.
Aqui em Salvador, mesmo sozinho, tenho o sentimento de fazer parte de uma comunidade a qual sinto-me ligado por minhas convicções espirituais, apesar de todas as minhas diferenças intrínsecas.

VoVó CiCi : Fabien, por que salvador ?

Não sou negro, mas me sinto muitas vezes como tal, com o mesmo sentimento de rejeição e frustração em relação a uma classe dominante. Vivi a mesma sensação em relação a minha família paterna, que me considera finalmente como um estrangeiro nos moldes de seu próprio sistema de valores. Não me sinto verdadeiramente brasileiro por meu sotaque francês quando falo o português, nem totalmente cidadão francês (na minha identidade francesa figura minha naturalidade brasileira e as pessoas dizem «Ora veja, mais um estrangeiro naturalizado francês!»). Entretanto, meu sotaque francês não é caracteristico de nenhuma região da França. Em resumo : como os afro-brasileiros de Salvador, pertenço a uma diáspora sútil.
Então, por que Salvador? Escolhi certamente esta cidade graças as leituras de Jorge Amado, um dos autores brasileiros de referência, que foi capaz de analisar e representar seu povo. Creio tratar-se de um escritor popular que soube manejar sua pena literária como um verdadeiro etnógrafo. e isso me é justamente muito familiar: a sociologia é uma disciplina que estudei em meu percurso escolar, uma vez que, desde a idade de dez anos, quando em visita de férias ao Brasil, na casa de meu pai, eu tentava compreender meu povo para dar sentido a minha própria história familiar. Em seguida, vivi minha juventude como um estangeiro, como um brasileiro visto do exterior. Cheguei a ser o «rei Momo»do carnaval de bordeaux em 2005, em meio às festividades do «Ano do Brasil na França». Na verdade, sempre vivi na Franca à procura de uma real conexão com o Brasil e a fim de me tornar também «um verdadeiro francês».

VoVó CiCi : E como isso se deu, Fabien?

Presto aqui minha homenagem a escola republicana francesa, que me ajudou a formalisar minhas idéias. Cresci ao lado de Yasser e do filho da professora primária, sem nenhuma distinção de classe social, usufruindo todos nós das mesmas oportunidades culturais. Foi mais tarde que tudo se truvou. Aí me dei conta das diferenças e de que não poderia fazer o mesmo percurso e atingir os mesmos valores inerentes a uma «tradicional»familia francesa. E tambem tive de me habituar a viver “mutilado” de metade da familia. Apesar disso, fui muito encorajado pelos meus avós maternos. Eles eram «Pieds Noirs»(pés pretos, nome dado pejorativamente aos franceses nacidos na Africa do norte). Eles aportaram ao solo francês em 1962 (data que assinala a independência argelina) quase sem posses. segundo a expressão de meu velho avô, eles chegaram à França «com uma mão na frente e outra atrás».
Em 2007, eu pensava na morte. Agora, instalado no Brasil, considero tudo isso um desafio para que eu volta à vida. Espero, sobretudo, que essas «crises»que me afligem e que me tornaram inválido, cessem com o tempo, até que eu possa alcançar a paz interior.

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