©Emmanuel Jaffelin & Diogène - Rio Vermelho - BA
©Os 3 Mosqueteiros – Filosofia & Sociologia sob o olhar psicanalítico do Cafundé
Negritude
- Pergunta 1: Emmanuel Jaffelin, filósofo francês da "Gentileza", o que você acha do movimento literário da Negritude, desenvolvido em particular por Léopold Senghor e Aimé Césaire? :
- Caro Fabien, acho ousado, mas infinitamente positivo, fazer esta pergunta a um “não negro”! Mas existe algum pensamento que evolui sem ousadia?
Minha resposta à sua pergunta não é simples, tanto menos simples quanto você me dirige, esta pergunta, não só porque fui seu ex-professor de filosofia no Liceu Francês de São Paulo ( Liceu Pasteur), mas também e, talvez, , sobretudo, porque sou reconhecido como o Filósofo da Gentileza, situação inexplicável (pelo menos neste artigo!), mas que ecoa uma personalidade brasileira original e mais que amável, o famoso Profeta da Gentileza, José Datrino (1917-1996 ) que ajudou pessoas em 17 de dezembro de 1961 durante o incêndio*(1) em um circo em Niterói, não muito longe do Rio de Janeiro, então que deixou sua antiga vida para se tornar, no Rio, o Profeta da Gentileza, um Profeta que ficou famoso, até imortal, através da fórmula popular que escreveu nas paredes de uma famosa ponte: “ Gentileza irá gerenciar Gentileza »
Porém, a relação entre Gentileza e Negritude não flui naturalmente porque a palavra “Gentio” vem do antigo nome latino “Gentilis ” que designa o nobre, ou seja, aquele que é bem nascido e que descende de um dos Cem. famílias que fundaram Roma! A partir daí dizer que o negro não seria simpático porque não tem essa origem está longe do meu ponto! Para falar a verdade, explico em meu “Eloge de la gentillesse” (Edições Bourin , 2010, Edições Pocket, 2016) que a noção de Gentileza tem uma história: primeiro romana, designa a nobreza… Romana; então cristão, esta noção designa aquele que não é cristão, mas, ao contrário dos goyîms*(2) para o povo judeu, o não-cristão pode, ou mesmo, ao contrário de um goy, “deve” ser convertido para se tornar cristão! Finalmente, o termo "gentio" em francês perde seu significado estritamente positivo e latino ("o nobre"), bem como seu significado estritamente negativo e cristão ("o ímpio"*3) para se tornar uma palavra ambígua que significa tanto o nobre quanto o ' ig-nobre ! E aí, querido Fabien, você vai pensar que estou fora do assunto e que esqueci sua pergunta sobre a negritude! Não, na verdade eu respondo gentil e indiretamente à sua pergunta feita ao filósofo da Gentileza !
Então, o que penso sobre a negritude não deixa de ter relação com o que penso sobre a gentileza. Depois de ler Leopold Sédar Senghor, antes de Aimé Césaire, descobri e adorei a sua poesia baseada na esperança de estabelecer uma civilização universal capaz de unir tradições e nações para além das suas diferenças. É assim que, em vez de enfatizar no ser humano a cor da sua pele, torna-se mais racional enfatizar a sua humanidade para que o humanismo moderno evolua. Vivam as variedades de cores de cabelos (castanhos, loiros, ruivos) e de cores de pele (pretas, amarelas, brancas), mas vejamos, além dessas diferenças superficiais, a identidade que conecta os seres humanos (homens e mulheres, negros, amarelos, Brancos e pardos, loiros e ruivos). Lembro-me, quando era estudante do ensino médio, de pedir ao meu professor de literatura que nos desse mais poemas de Senghor do que de Rimbaud para estudarmos! Na época não existia internet e os poemas estavam em folhas de papel. Para mim, naquela época (final da década de 1970), não se tratava de forma alguma de promover a negritude ou de destacar uma diferença; queria simplesmente que nós, os estudantes, beneficissemos da qualidade, de uma poderosa qualidade poética, destes poetas africanos. Aqui está um trecho de um poema sublime de Senghor:
ORAÇÃO ÀS MÁSCARAS
"Máscaras! Ó Máscaras!
Máscaras pretas, máscaras vermelhas, suas máscaras brancas e pretas
Máscaras nos quatro pontos por onde respira o Espírito
Saúdo-vos em silêncio!
E não você por último, ancestral com cabeça de leão.
Você mantém este lugar fechado para o riso de todas as mulheres, para todos os sorrisos que desaparecem
Você destila esse ar da eternidade onde respiro o ar dos meus Pais.
Máscaras com rostos sem máscaras, despojados de todas as covinhas e rugas
Quem compôs esse retrato, esse meu rosto encostado no altar de papel branco
Na sua imagem, me escute!
Aqui a África dos impérios está morrendo – é a agonia de uma princesa lamentável
E também a Europa à qual estamos ligados pelo umbigo.
Fixe seus olhos imutáveis em seus filhos que são comandados
Que dão a vida como a última roupa do pobre.
Que respondamos presentes ao renascimento do Mundo
Daí o fermento necessário para a farinha branca. […] *(4)”.
Este poema é um rosto de poesia que me terá marcado mais do que imagino, eu que, uma vez nomeado para África (de 1999 a 2003 como Director da Alliance Française em Angola), tornei mais concreto e menos poético o meu gosto pelo africano máscaras que colecionei! Encontrei-me ligado a África, menos pelo umbigo do que pela máscara e pela escuridão que ela vestia mais do que escondia!
Quanto a Césaire, não juntou poder político ao seu talento poético, mas aqui está o seu poema na roda como nenhum outro:
Roda
A roda é a mais bela descoberta do homem e a única
há o sol que gira
há a terra que gira
aí está o seu rosto que gira no eixo do seu pescoço quando
você chora
mas vocês, minutos, não vão enrolar na bobina para
ao vivo
o sangue lambeu
a arte do sofrimento afiada como tocos de árvore
as facas do inverno
a corça bêbada para não beber
o que me coloca no limite inesperadamente seu
cara de escuna desmastreada
seu rosto
como uma vila adormecida no fundo de um lago
germe
Aimé César
Com este poema, Aimé Césaire faz da negritude menos um particularismo a valorizar do que um universal que pode fazer o mundo girar poeticamente!
- Pergunta 2: A Negritude continua sendo uma forma de RESISTÊNCIA?
Não será também uma forma de luta pacífica do mocinho,"o Gentio", contra o poder opressor da sociedade pós-colonial? :
Noto que existem (pelo menos) duas formas de negritude: uma que existe através do seu talento que em nada realça a cor da pele. É o caso de Duke Ellington (1899-1974), um excelente pianista, instrumento este que se toca com teclas pretas e brancas e no qual tocou notavelmente no Cotton Club! Podemos sempre interpretar este talento e este sucesso de um pianista tão negro como uma forma de resistência, mas não tenho a certeza de que este talento seja fruto de uma vontade sociopolítica do artista. O facto de aos quarenta anos multiplicar os seus sucessos e encontros (com Djando Rheinardt , Rex Steward e Barney Bigard) mostra que o talento é mais importante para ele do que o combate político. No fundo e visivelmente, a maioria dos ouvintes de Duke Ellington provaram e apreciaram o seu talento que não fazia aparecer nem desaparecer a cor da sua pele. E há, claro, uma outra forma de negritude, menos jazzística, que procura na cor da pele a razão do seu bloqueio social, ou mesmo da sua desvalorização. Esta forma está se desenvolvendo hoje através de uma corrente ideológica de minorias, o wokismo*(5). No entanto, é melhor dizer que Duke Ellington é um gênio do que o representante de uma minoria. E sugiro ao leitor deste artigo que se define como membro de uma minoria oprimida, que procure um talento para superar a sua falta de reconhecimento social! Primeiro o talento, depois a cor do cabelo ou da pele! Então, para responder à sua pergunta, diga aos leitores que procurem afirmar-se socialmente através do seu talento e não através do pertencimento a um tipo de população. E a França, assim como o Brasil, não faltam “talentos” pertencentes à negritude e que conseguiram não só se destacar da multidão, mas também e sobretudo se estabelecerem como modelos! E como exemplos: Edson Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé (grande jogador de futebol que se tornou Ministro do Esporte no Brasil (1995-1998), Embaixador da ONU, etc. Na França, o único tenista a ter vencido o Torneio de Tênis de Rolland-Garros foi Yannick Noah, Franco-camaronês, que não estava satisfeito com o seu sucesso desportivo (1983) desde que se tornou um cantor muito apreciado pelos franceses. Aqui estão dois exemplos de pessoas talentosas e negras. Chegou a hora de admitir que não são exceções e! que a negritude é um terreno fértil para talentos. Acho estranho e anormal que ainda não haja um Prêmio Nobel científico concedido a um cientista negro. 0 escritor nigeriano Wole Soyinka recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1986. As coisas estão mudando, mas precisam! para se mover mais!
- Pergunta 3: Quem são os pensadores modernos da Negritude hoje? :
Na França, o senegalês Léopold Sédar Senghor, o martinicano Aimé Césaire e o guianense Léon Gontran Damas criaram uma revista intitulada L'école noir, durante o período entre guerras (em 1935). Observo então que, diferentemente do século XXI, quem cria uma revista para promover a negritude são “vencedores”, pessoas que sabem se impor socialmente e serem reconhecidas como talentos. Hoje acontece o contrário: pessoas de negritude exigem que as valorizemos, abramos todas as portas para elas. Dito de outra forma e de forma mais simples: não é mais o talento e o desempenho que devem abrir os olhos para a negritude, mas sim a sordidez (modo de vida) e o fracasso social. É preciso dizer que, ao passar de um século para o outro (sem especificar as datas), passamos de uma era de responsabilidade para uma era de vitimização. Em vez de apresentar as pessoas negras como heróis (Duke Ellington, Wole Soyinka, Pelé e Noah), hoje elas são apresentadas como vítimas. Portanto, não encontro hoje nenhuma personalidade que exiba ao mesmo tempo a sua negritude e o talento admirável de Duke Ellington, Wole Soyinka ou Pelé. Mas noto, felizmente, que o sistema social francês evoluiu positivamente para já não considerar as mulheres e os homens negros como uma categoria social secundária!
Emmanuel Jaffelin, o filósofo de Gentileza*(6)
*(1) Este incêndio causou mais de 500 mortes, sendo um dos maiores desastres ocorridos num circo no século XX .
*(2) Goyim: um pagão (na Bíblia e para os primeiros cristãos). Um estranho ao culto israelense.
*(3) O ímpio: que demonstra desprezo pela religião.
*(4) Leopold Sédar Senghor, Canções de Sombra, Edições Présence Africaine, 1945
*(5) Wokismo: o termo "woke" vem do verbo inglês (acordar), para descrever um estado de "despertar" diante da injustiça. É usado inicialmente para designar pessoas cientes dos problemas relacionados à justiça social e à igualdade racial.
*(6) Caderno de exercícios de gentileza, Editora Vozes